Por José Nelson Bessa Maia
O retorno à cena política mundial de Donald Trump e de sua controversa agenda econômica protecionista e de truculência geopolítica deixa muita gente assombrada e temerosa quanto ao que poderá acontecer como resultado de suas ações. Muitos analistas enfatizam os efeitos de curtíssimo prazo sobre os mercados e as expectativas dos agentes privados em termos de comércio, investimento e finanças. Outros entendem que seria só um jogo de cena do novo presidente americano para atender a seu público doméstico em cumprimento de suas promessas de campanha. Destacam a dimensão transacional do mandatário e o seu estilo mercurial de negociar com parceiros internacionais.
Mas, na verdade, o que muitos não percebem é que, por trás do chamado “tarifaço” e das ameaças de ocupação de territórios estrangeiros (Canadá, Faixa de Gaza, Groenlândia e Canal do Panamá) pelos EUA, está um país exaurido pelos altos custos de sua estrutura octogenária de hegemonia global e abalado pela desindustrialização e pela estagnação da renda de sua classe média, antes considerados, ao lado do desenvolvimento tecnológico, os motores de sua prosperidade e afluência. Trump não surge do nada. Resulta isto sim da insatisfação da classe trabalhadora americana com os chamados efeitos da globalização sob a forma de falta de bons empregos, salários baixos e poucas perspectivas de ascensão social em um ambiente dominado pela desigualdade crescente, propagação de inovações digitais disruptivas, exclusão de mão de obra pouco qualificada e a excessiva financeirização da economia.
Além disso, a manutenção do império americano custa muito caro aos contribuintes estadunidenses. O custo das 800 bases militares do país no exterior, somado às despesas com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), pesa muito nos gastos com defesa. Em 2023, o governo dos EUA gastou US$ 820 bilhões neste setor, ou 8,15% do total do gasto orçamentário federal. Nos últimos cinco anos, essa rubrica consumiu 8,6% dos gastos totais do governo americano. Para uma economia de modesto crescimento do PIB (média de 2,4% de 2020 a 2024) essa fatura se torna cada vez mais insustentável. As despesas bélicas dos EUA com a ajuda à Ucrânia no conflito com a Rússia e com Israel na Faixa de Gaza aumentaram a sobrecarga sobre o Governo americano.
O peso da defesa no orçamento seria suportável se houvesse folga fiscal. No entanto, as finanças públicas americanas vêm se deteriorando a olhos vistos. Com um déficit fiscal anual de -7,5% do PIB e uma dívida pública bruta de 121% do PIB em 2024 (segundo o FMI), os EUA estão sem margem de manobra para modernizar sua combalida infraestrutura e estimular a reindustrialização de suas antigas zonas industriais do chamado “cinturão da ferrugem” no nordeste do país, justamente onde mais têm crescido o desalento e a insatisfação do eleitorado americano com o estilo de política tradicional do partido Democrata. Nesse contexto é que surge o movimento de Tornar a América gGrande Novamente (MAGA) sob a liderança de Donald Trump e com promessas de isolar o país da concorrência estrangeira e fazer voltar os investimentos, as empresas e os empregos que haviam saído para se localizar em outros destinos, sobretudo na Ásia.
Nesse contexto, a imposição em curso de aumento de tarifas de importação (o chamado tarifaço) sem justificativa pela administração Trump a diferentes parceiros comerciais, inclusive junto a seus aliados europeus e América Latina, está gerando uma guerra comercial e adicionando instabilidade e expectativas desalentadoras nos mercados internacionais. Retaliações e pressões de custos imediatas ameaçam travar as cadeias produtivas globais e afetar adversamente não apenas aqueles países prejudicados diretamente pelo aumento de tarifas sobre suas exportações, como é o caso da França, Japão e Alemanha, mas os próprios EUA, cujos consumidores e empresas começam a pagar mais caro pelos produtos importados, gerando subida da inflação, abalos na confiança e temores de recessão econômica. A China tem sido alvo de tarifas ainda mais elevadas. Reage com retaliações seletivas, mas sem se negar a negociar e buscar o entendimento com os EUA.
Na verdade, os americanos com Trump reeditam um século de fracasso de seu protecionismo que começou com a Lei de Tarifas Smoot-Hawley de 1930, responsável pelo colapso do comércio mundial na época e aprofundamento da Grande Depressão; passou pelo choque tarifário de Nixon em 1971, quando foi cancelada unilateralmente a conversibilidade do dólar americano em ouro e então imposta uma sobretaxa geral de importação. Isso desestabilizou o sistema de Bretton Woods e desencadeou uma forte desvalorização do dólar americano, levando à recessão de 1973-1975. Parece, portanto, que os americanos desconsideram as lições do passado e insistem no mesmo remédio errado que acabará saindo muito caro para os EUA e o mundo.
Nesse pano de fundo, fica fácil compreender porque a deportação em massa de milhares de imigrantes e a imposição discriminatória de tarifas aduaneiras aos países parceiros, aliados ou adversários, faz parte da ruidosa agenda trumpista para tentar reverter a tendência de decadência econômica dos EUA e manter as bases de sua debilitada hegemonia global em um cenário que consideram ameaçador de competição com a China e de ascensão de outras importantes potências emergentes no âmbito do BRICS. No entanto, as repercussões econômicas negativas já claramente anunciadas do protecionismo do Governo Trump sobre os mercados de bens e ativos financeiros estão causando uma reação nos agentes privados e de governos no mundo inteiro. Espera-se, portanto, que o posicionamento firme dos diversos agentes relevantes, em especial a China, a Europa e a América Latina acabe por fazer prevalecer o bom senso e que os EUA revejam sua política econômica externa danosa e equivocada.
[Fonte: CMG]