Fui mãe atípica quando esta palavra, por certo, já existia, mas não era muito usada. Meu filho mais novo é neuro divergente, mas quando ele era criança, o prefixo neuro não estava em alta, não circulava pelas mesas dos bares e restaurantes nem povoava a internet e as redes sociais. Lembro-me de que, junto com o diagnóstico que tentava explicar o comportamento vexado à décima potência do meu filho, a neuropediatra me deu o livro “No Mundo da Lua”. Talvez este tenha sido um dos primeiros a explicar o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).
Passadas mais de duas décadas, ainda parece recente o tanto que minha vida mudou. Para começar, o menino passou a ser cercado de terapeuta, psicopedagoga, professores de apoio, além da neuropediatra que acompanhava e regulava a medicação. Meus compromissos incluíam devolutivas dos profissionais, reuniões na escola, consultas, resultados de testes psicológicos, exames neurológicos, recomendações de toda sorte, mais reuniões, tentativas, novas estratégias, mais reuniões.
Muitas vezes, quis desaparecer sem deixar vestígios. Após assistir ao filme “Céu de Suely”, fechava os olhos, muitas vezes, deitada na minha cama, e me via fazendo o mesmo pedido da personagem: “Qual o lugar mais distante que o senhor tem aí? Eu quero ir pra lá”. Em outras, me sentia uma náufraga. Os dez anos seguintes ao diagnóstico foram os mais árduos da minha vida, mas os que eu mais aprendi.
Passei a valorizar tudo. Um 6 em matemática era comemoradíssimo. Quando ele passou a montar brinquedos, eu não cansava de agradecer a Deus e aos profissionais envolvidos. Quando ele desistiu do curso caro de desenho, sofri, mas quando aprendeu a tocar violão, fiquei numa felicidade imensa.
Quando ele passou a ler poesia nem acreditei, e quando ganhou uma menção honrosa num concurso de poesia do Ideal Clube e teve os poemas publicados em livro, aí foi que eu não acreditei mesmo. Quando o vi defendendo o TCC, na Unilab, enfim, e tirando 9,5 pensei no tanto que ele conseguiu avançar do jeito dele, no tempo dele.
Atualmente, estou envolvida, com voluntária, com um grupo de mães atípicas cujos filhos têm diagnósticos de TEA, TDAH, TOD entre outros. Quando converso com elas, percebo o quanto eu, meu filho e minha família fomos privilegiados. A maioria, ou seja, quase 90% daquelas mães precisaram deixar o trabalho para cuidar das suas crianças, vivem em função delas, esperam meses, até anos, numa fila por atendimentos na rede pública de saúde. Precisam se virar com orçamentos curtíssimos para garantir todas as necessidades do filho ou filha, incluindo medicações, muitas vezes caras.
Não raro, enquanto escuto aquelas mulheres, me vejo nelas. Entendo perfeitamente as suas preocupações. Algumas delas gastam até quatro horas nos trajetos de ida e volta ao projeto para estarem com seus filhos por uma hora sendo acompanhados. Isso mostra o quanto as políticas públicas precisam caminhar mais rápido a fim de oferecerem melhores condições para a maternidade e paternidade atípicas.
Enquanto os diagnósticos aumentam, cresce também o número de mães de baixa renda que se transformam em nômades à procura de apoio e acompanhamento para seus filhos. E delas, quem cuida?
[Por Regina Ribeiro]