Na primeira cena de Babygirl, vemos Romy, a CEO interpretada por Nicole Kidman, fingir um orgasmo enquanto faz sexo com o marido, o bonito e interessante diretor de teatro Jacob (Antonio Banderas). Mas nada ali é colocado por acaso: seu fingimento é tão rígido quanto o seu trabalho, em uma empresa de tecnologia de robôs, e quanto o seu rosto paralisado por Botox.
A sua vida é teoricamente perfeita: admirada como profissional, ela é bem casada, rica, bonita e tem duas filhas com quem se dá bem. Mas a estabilidade se desmorona muito rápido quando ela se vê Samuel (Harris Dickinson) dominar um cachorro enfurecido bem na frente do prédio do seu trabalho. Ela fica impressionada, mas ainda nem sonha que ele é um dos novos estagiários da empresa que ela gerencia.
Mas há algo que precisa ser dito sobre Babygirl: toda esta trama poderia resultar em um mero thriller erótico bem típico dos anos 1990 (e os filmes de Adrian Lyne foram citados pela crítica como uma possível referência). No entanto, este é um longa-metragem escrito e dirigido por uma mulher, a diretora holandesa Halina Reijn. E, no frigir dos ovos, isso muda tudo.
‘Babygirl’ e o mergulho na sexualidade feminina
Babygirl provocou reações diferentes na crítica cinematográfica, entre os que elogiaram uma suposta performance corajosa de Nicole Kidman e os que o categorizaram como mero soft porn. Há alguma razão em ambas as visões, creio, e também estou de acordo que a resolução um tanto moralista da história empobrece consideravelmente o filme.
Contudo, penso que há camadas escondidas em Babygirl, que dialogam sobretudo com o público feminino, e que podem explicar o frisson gerado pelo filme entre as mulheres. A principal delas diz respeito à forma que tangencia, de forma algo cifrada, a natureza enigmática da sexualidade que vai além de uma redução simplista – recorrente, por exemplo, na indústria pornográfica, moldada pela imaginação masculina.
Explico: Romy, sendo uma mulher poderosa e respeitada, esconde (de maneira bem incompetente, digamos) a sua fragilidade, que envolve a pouca compreensão da própria sexualidade. Depois de fazer sexo com o marido, ela foge para assistir a filmes pornôs enquanto se masturba. Ao decorrer do filme, nos momentos em que é confrontada a explicar alguns dos seus atos errantes, ela se define como uma “pessoa errada”, que não é “normal” (e o marido, irritado, concorda com ela).
Ainda assim, seu companheiro é o próprio estereótipo do marido dos sonhos: bonito, culto e carinhoso. No entanto, ela se vê vulnerável e atraída à força um tanto paradoxal do jovem Samuel – que, além de extremamente confiante, representa também os riscos que ela abriu mão ao optar por uma vida convencional, familiar, ao invés de explorar as rotas do seu desejo.
Seguir o desejo, ela sente e demonstra, é abrir as portas para um flerte com a loucura, ou mesmo com a morte. Ao olhar para esse abismo, Romy se atrai cada vez mais a ele, ainda que saiba (talvez inconscientemente) que isso significa a perda de tudo que ela conquistou até ali. Para ela, o que torna Samuel sexy não tem a ver com o que os homens heterossexuais imaginam que as mulheres desejam, e pode ser traduzido na forma desengonçada (e comovente) que esse quase menino dança “Father Figure”, de George Michael.
No filme, essa atração se constrói, querendo ou não, de maneira sutil. Fala-se muito sobre as cenas de sexo de Babygirl, mas elas claramente foram imaginadas e concretizadas por uma mulher: são bem menos explícitas do que podem parecer à primeira vista. Um dos ápices do encontro sexual entre Romy e Samuel envolve justamente a cena que dá nome ao filme.
É fato que Babygirl não deve entrar para os anais das grandes obras do cinema mundial. Também é verdade que ele pouco toca naquele que seria um dos seus temas centrais, as relações BDSM. Ainda assim, o filme não deixa de ser uma bela exploração audiovisual sobre o desejo e, sobretudo, ao que ele é capaz de revelar sobre o que realmente querem as mulheres.