Cascavel ainda era um pequeno povoado quando os carros de boi cruzavam suas estradas com seu gemido anunciando sua passagem. Era uma festa para a criançada que corria de onde estava para ver a passagem vagarosa e imponente do conjunto, uma trela de pelo menos dois bois fortes e vigorosos puxando um grande carro de madeira maciça e de grandes rodas, igualmente de madeira, tangidos por seu condutor, que ia ao lado com uma grande vara orientando a trela de bois ou em pé, na frente do carro.
Tão bonito quanto ouvir o gemido do carro de boi era ouvir o homem aboiando, cantando aos bois que atendiam seu condutor prontamente.
As crianças subiam no carro e muito alegres seguiam até se perderem de vista daqueles que crescidos já não faziam aquelas reinações, mas que olhavam com saudade seus filhos se divertirem com a passagem do veículo.
Da Mataquiri e até mesmo da Bananeira, esses carros saiam ao quebrar da barra para amanhecerem no Cascavel. Pela antiga Estrada do Fio os carros de boi vinham do Buritizal, Tijucussu e de outras localidades trazendo seus produtos para o mercado, onde eram vendidos na feira. E era bonito de se ver dezenas de carros de boi enfileirados, puxados por trelas de dois, quatro e até mesmo de seis animais.
Transportava-se de tudo nesses veículos: cana-de-açúcar, rapadura, farinha, lenha, tijolos, carvão e, é claro, pessoas. Somente os mais ricos fazendeiros podiam se dar ao luxo de possuírem um.
Nas noites de quinta para sexta, quando uma mãe precisava chamar seu filho para dentro de casa não hesitava em dizer:
– Menino, passa para dentro que o carro de boi te leva!
Ou então:
– Corre para dentro! Não está vendo que é hora do carro de boi passar?
Ou ainda:
– Isso é hora de brochote estar no meio da rua? O carro de boi te leva.
Amedrontada, a criançada corria. Já dentro de suas casas iluminadas por lamparinas, as crianças espreitavam das janelas a passagem do carro. Um carro de boi negro, puxado por dois possantes bois igualmente negros e conduzidos por um velhinho vestido de branco, barba alva como um capucho de algodão, usando um grande chapéu de palha de abas caídas. O velhinho era simpático e muito sorridente. Se ouviam um gemido longe, ou um aboiar distante, não tinham dúvidas: o carro de boi assombrado passava pelas estradas.
As crianças desavisadas, entretidas vadiando nas ruas e estradas, encantadas pelo carro de boi e seu gentil condutor que as convidava a subir no veículo não viam mal nenhum e subiam prontamente no carro, juntando-se a outras crianças que já folgavam em cima do veículo. Lentamente o carro de boi ia seguindo até sumir na distância com as crianças que nunca mais eram vistas.
Não poucas crianças em Cascavel temeram o carro de boi assombrado que ainda cruza as estradas dos Chorós em busca de crianças teimosas que desobedecem aos seus pais.
[Evânio Reis Bessa. O Carro de Boi Assombrado. In: A Serra da Mataquiri, o Rio Malcozinhado e Outras Histórias. 2. ed. Fortaleza: Premius, 2018, p. 88-90. Ilustração: Wescley Barros Borges – colorização: Hugo Cavalcante]