Um amigo, um irmão, um pai, um tio. Acima de tudo, um rio e um dos maiores amores de Italo Diógenes Holanda Bezerra. Aos 56 anos, o cearense orgulha-se por ser apaixonado pelo Jaguaribe a ponto de realizar façanhas inimagináveis a favor das águas. “Como não amar algo que dá tanta vida pra gente?”, questiona-se, olhos brilhando ao encarar o maior rio do Ceará.
São 633 quilômetros de extensão e muitas histórias capazes de desenhar a personalidade de uma riqueza genuinamente nossa. O Jaguaribe, quem diria, gosta de conversar. Todos os dias, do nascer ao pôr do sol, a imensa extensão fluvial troca vários dedos de prosa com Italo, que nunca deixa o papo morrer. É falante, atencioso e muito terno.
Chama o parceiro de “meu irmão”, e tanto agradece quanto pede perdão. Sim, perdão, mas não por ele. Pensa em todas as pessoas que desrespeitam algo tão valioso e não pensam no futuro. Jogam lixo, articulam intervenções, maculam o rio. Querem destruí-lo. Italo não deixa. É valente o suficiente para driblar o mal.
Quando assim faz, lembra dos principais instantes vivenciados com aquele que considera o próprio aconchego. Apesar de graduado em Engenharia Ambiental e estudante de Engenharia Civil, a maior qualificação dele é mesmo ser ribeirinho. Mora em Limoeiro do Norte, interior cearense, exatamente na ribeira do Jaguaribe, em sintonia com 11 gerações da família.
Segregado de Jaguaribara – cidade engolida pelas águas do açude Castanhão, construído no Jaguaribe para a criação de um reservatório de água – teve o umbigo enterrado nas redondezas do rio. Criança, banhava-se naquelas águas sozinho ou com amigos, e se permitia experimentar a liberdade. Os momentos ficaram na memória como instrumento de luta.

Luta e muita inspiração. O tempo fez com que realizasse grandes coisas a favor do amado. Criou, por exemplo, uma Área de Proteção Permanente (APP) da caatinga na nascente do rio para que, durante o período da seca, as plantas não morram e continuem a velar pelo parceiro aquático. “Fizemos um sistema de irrigação a fim de garantir a quantidade mínima de água para que a caatinga nessa região jamais deixe de florescer conforme a dinâmica dela”.
Também oportunizou – e continua a oportunizar – que estudantes de uma escola municipal coloquem o Jaguaribe na ordem prática do dia. Refletem sobre ele, fazem ações ao redor. Num dia, até homenagearam o rio. Chamaram Italo para ver de perto. Foi tudo muito bonito. “Fizeram meu coração explodir, fiquei muito feliz”.
Duas das maiores façanhas o homem fala como quem traz o coração na mão – ou no leito do rio interior. Em uma delas, respaldado por todos os órgãos públicos e entidades ambientalistas, conseguiu uma máquina e passou 44 dias tentando buscar o rio após ele ter sido colapsado por grandes agricultores, esfomeados por dinheiro e ganância.
“Fui buscá-lo 15 quilômetros distante da nascente dele. Nesse período, abri mão de toda a minha vida. E valeu totalmente a pena porque, quando você traz um rio, você devolve vida aos lugares. Foram aproximadamente 1500 pequenas propriedades beneficiadas com essa ação. Quando a água voltou, foi motivo de festa – e logo na pandemia. Coisa linda demais”.
Poucos anos depois, foi a vez de ousar um pouco mais: organizar um concerto às margens do Jaguaribe em homenagem a ele. Destacar a grandiosidade dele, de passar por 82 municípios cearenses. Exaltar a beleza que carrega em cada gota – possível de banhar, irrigar, hidratar. Transformar tudo ao redor. Cinquenta e oito músicos empenhados em fazer bonito.

“Foi uma hora tocando pro rio, músicas clássicas e releituras de canções do Nordeste. Você imagina o cabra fazer uma sinfonia prum rio? Não foi nada para me mostrar, mas é porque chegamos a um nível de intimidade que ali mesmo eu disse pra ele: ‘Tem gente que te ama, tem gente que te quer, a gente vai fazer um recital pra você’”.
Tem 360 anos que o patriarca da família de Italo – um português muito aventureiro – subiu o Jaguaribe e se radicou no Vale que leva o nome do rio. Italo busca honrar essa tradição todos os dias. Agora mesmo não descansa ao saber que uma empresa descobriu uma grande jazida de ouro, platina e palladium na região do polígono que abriga a nascente do Jaguaribe, e quer construir ali uma espécie de distrito mineral. Pretendem destruir 100 mil hectares de caatinga.

Outra ação desordenada tem sido a carcinicultura sem avaliação de impactos ambientais e, portanto, bastante prejudicial ao rio. Soma-se a isso o quase nulo cuidado dos próprios moradores das cidades com relação ao descarte de materiais, e o fato de até projetos para higiene de pessoas em situação de rua dependentes do rio serem colocados na berlinda, e a situação pesa. Quase não há luz.
“Ao mesmo tempo, sobra em mim esperança. Se eu não tê-la, como vou ter energia pra viver? Acordo cedo, porque gosto de rezar pela madrugada, e fico ali conversando com o Jaguaribe para que a gente possa vencer juntos. O amor é quando você acredita que, dentro da própria pequenez, pode construir algo intransponível frente a qualquer sentimento ou circunstância. Essa entrega absoluta constrói um mundo melhor”.

O homem que ama o rio não descansa. A maior força dele é o carinho. Daqueles que não diluem na água, mas encontram no sangue das coisas a força-motriz para seguir. A seiva das gotas, o nutriente dos líquidos.