Não há dúvida de que, dos seres da noite, o lobisomem é aquele que causa mais medo aos desafortunados que cruzam o seu caminho e muitos são os relatos dessa estranha figura: parte homem e parte lobo.
Em todas as histórias ouvidas em nossa região, os lobisomens são seres extremamente cruéis que espreitam nas estradas os viajantes. Caminham de quatro, apoiados nos joelhos e nos cotovelos. Detalhe que nos chama atenção, as pessoas marcadas pela sina de virarem tal monstro, fato que ocorre nas noites de quinta para sexta, trazem os cotovelos e os joelhos sempre machucados e por isso andam com calças compridas e com blusas de manga longa.
Em meados do século passado, um lobisomem aterrorizou a velha estrada da Mataquiri. Naquele tempo ainda não havia rodovia estadual para Fortaleza. As pessoas caminhavam por uma vereda de mato batido que passava pelo matadouro onde hoje é o presídio. Quem precisasse passar por aquele caminho nas noites de quinta evitava fazer isso a todo custo ou procurava companhia. Os namorados que voltavam tarde da noite para casa e as pessoas que vinham das tertúlias ou das radiadoras do Guanacés, da Moita Redonda ou do Cascavel eram as mais atacadas. Não havia energia elétrica, as festas eram iluminadas por geradores que acendiam carretilhas de luzes nos terreiros e colocavam as radiolas de disco para tocarem na falta de bons sanfoneiros.
De tal modo ficou a situação que ninguém ousava passar por tal caminho mal caía a noite. Muitos foram os que, perseguidos por tal besta, encontraram salvação somente em alguma casa perdida ao longo do caminho que abria as portas aos pedidos de socorro.
Revoltados, alguns homens se juntaram para uma tocaia, era preciso pôr fim a tudo aquilo. Era uma noite de quinta, os homens ficaram escondidos armados de cacetes e facões perto daquela levada, riacho, depois do atual matadouro à beira do caminho. A noite era calma e sem lua. Os insetos incomodavam, mas a determinação em acabar com a fera era maior.
Contam alguns daqueles que estavam na tocaia que, antes da meia-noite, avistaram o bicho passando pelo caminho. Andava de quatro como um cachorro e farejava o chão. Não tinha roupa nenhuma e era coberto por pelos negros. Seu rosnado era assustador e tinha grandes presas. Quando o lobisomem passou por eles, farejou o ar e desconfiou de alguma coisa. Já ia fugir, mas os homens, mais que depressa, avançaram sobre o bicho e desferiram vários golpes de cacete em suas patas dianteiras, na sua cabeça e no seu lombo. O animal uivava de dor e de ódio, procurando atacar seus agressores. Vendo-se em desvantagem, correu para o mato sendo perseguido pelos homens da tocaia. A mata fechada, porém, não ajudou a perseguição e logo os homens o perderam de vista.
Havia no grupo dois irmãos que moravam na Mataquiri e que, depois da perseguição ao lobisomem, voltaram para casa. Chegando à casa estranharam qualquer coisa, a porta dos fundos estava aberta e havia uma luz de lamparina vindo do fundo do quintal. Não tiveram dúvidas, o lobisomem havia passado por ali. Correram até o fundo do quintal, mas o que viram não foi o bicho ou algum familiar vitimado – o maior medo deles – e sim, o pai deles lavando o sangue que corria da cabeça, dos braços e de suas costas.
Daquele dia em diante, o homem nunca mais dormiu dentro de casa. Os filhos fizeram um quarto no fundo do quintal para não o deixarem sair à noite. Ele era o sétimo filho de um casal que tivera seis filhas antes dele nascer.
Se ele era o lobisomem da Mataquiri, nunca se soube. Mas verdade seja dita, nunca mais se escutou o uivo do lobisomem naquele caminho nas noites de quinta-feira.
[Milson Almeida. O Lobisomem da Mataquiri. In: A Serra da Mataquiri, o Rio Malcozinhado e Outras Histórias. 2. ed. Fortaleza: Premius, 2018, p. 21-23. Ilustração: Wescley Barros Borges – colorização: Hugo Cavalcante]