No sertão cearense, a chegada das chuvas é mais do que um fenômeno meteorológico — é um momento de esperança, fé e celebração. Para muitos agricultores o dia 19 de março, dedicado a São José, é aguardado com expectativa. Segundo a crença popular, se chover nessa data, a quadra chuvosa será promissora, garantindo uma boa safra e o abastecimento dos reservatórios. Mas, afinal, há embasamento científico para essa tradição?
Profetas e sabedoria popular
Muito antes dos avanços da meteorologia, os cearenses já previam o inverno observando a natureza. Os Profetas da Chuva são guardiões desse conhecimento ancestral. Eles analisam o comportamento das plantas, dos insetos e dos ventos para interpretar os sinais da chegada ou não das chuvas.
Erasmo Barreira, profeta da chuva de Quixadá, explica que desde julho já começa a notar os primeiros indícios da estação chuvosa. “A gente olha o Pau D’Arco, o cumaru, o Juazeiro. Se floram e seguram a flor, é sinal de que vem chuva boa. Mas se não seguram, pode ser seca”, diz. Outro sinal que não escapa ao seu olhar são as formigas de roça. “Se elas botam muito bagaço pra fora do ninho, é porque o inverno vai ser bom. Mas se seguram, é porque vai faltar água.”
Mesmo com os avanços científicos, essa sabedoria popular ainda tem seu espaço, especialmente em comunidades rurais que dependem da agricultura e do ciclo das águas.
A ciência e o equinócio de outono
Enquanto a crença popular associa o dia 19 de março às chuvas, a ciência traz outra perspectiva. A meteorologista Meiry Sakamoto, da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), explica que a data coincide com um evento astronômico importante: o Equinócio de Outono, que em 2025 ocorrerá no dia 20 de março, às 6h01.
“No equinócio, os hemisférios estão perpendiculares ao sol, ou seja, os raios solares incidem diretamente sobre a linha do Equador, distribuindo luz e calor de maneira equilibrada entre os hemisférios. Nesse dia, o tempo de luz solar e de escuridão são praticamente iguais”, detalha Meiry. Esse fenômeno marca o fim do verão e a transição para o outono no Hemisfério Sul.
Já do ponto de vista meteorológico, Meiry esclarece que a chuva nesta época do ano está relacionada à atuação da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), principal sistema responsável pelas precipitações no Ceará. “Quando temos boas chuvas nesse período, é porque a ZCIT está bem posicionada, trazendo umidade do oceano para o continente”, explica.
Porém, ao contrário do que diz a crença popular, a meteorologista afirma que não há correlação científica entre chover no dia 19 de março e a qualidade da quadra chuvosa (de fevereiro a maio). “O fato de chover ou não no dia de São José não é um indicativo de como será a estação chuvosa no Ceará. Os dados mostram que não há essa relação”, reforça.
Dados Históricos
A Funceme analisou os registros de precipitação do dia 20 de março, que contabilizam as chuvas acumuladas entre as 7h do dia 19 e as 7h do dia seguinte. O levantamento comparou essas precipitações com a quadra chuvosa de cada ano e revelou que a relação entre ambos os fatores é inconsistente.
- Em 1974 e 2009, poucos municípios cearenses registraram chuva no dia de São José, mas a quadra chuvosa foi acima da média.
- Já em 2005, a chuva no dia 19 de março atingiu 152 municípios, mas o período chuvoso ficou abaixo da média.
Esses exemplos mostram que, mesmo quando chove forte no dia 19, isso não garante um inverno farto. E, ao contrário, anos com pouca ou nenhuma chuva na data ainda podem ter uma boa quadra chuvosa.
Entre a fé e a ciência: o que esperar para 2025?
A previsão climática para a quadra chuvosa de 2025 indica que a influência do fenômeno El Niño está diminuindo, o que pode favorecer uma melhor distribuição de chuvas ao longo dos meses. No entanto, a intensidade da estação chuvosa dependerá do comportamento da ZCIT e de outros fatores oceânicos e atmosféricos.
Seja pela fé em São José, pela tradição dos Profetas da Chuva ou pela análise científica da Funceme, uma coisa é certa: o sertanejo sempre olha para o céu na esperança de ver as nuvens carregadas de boas chuvas. (O Estado CE)